A história a seguir não é de pescador, é a de um pescador que veio a se chamar o Senhor dos Peixes. Em sânscrito Matsya, significa peixe e Indra, senhor. O tipo de narrativa que irei apresentar, a tradição ocidental chama de hagiografia, uma espécie de biografia sem comprometimento histórico, tendo como intuito principal, na maioria das vezes, transmitir ensinamentos através de uma linguagem simbólica. Portanto, não se sintam enganados.

Existem muitas narrativas a respeito do grande siddha Matsyendra, considerado por algumas correntes como o primeiro hatha yogi. Uma delas se encontra nas hagiografias tibetanas dos 84 maha siddhas, grandes seres realizados, e diz o seguinte:

Sendo pescador, ele passava a maior parte do tempo no seu pequeno barco na baía de Bengala. Certo dia, fisgou um peixe enorme que puxou a linha com tanta força que fez com que caísse no mar. Então, ao ser atacado pelo enorme peixe, foi engolido. Protegido pelo seu bom karma, ele foi parar dentro do estômago da criatura ileso.

Nesta mesma época, o Senhor Shiva estava transmitindo à sua divina esposa Uma o conhecimento perene que até então não revelara a ninguém. Ela criara, no fundo do oceano, um recinto especial para que ninguém mais pudesse ouvir, por acaso, as palavras de Shiva. Muitos peixes, porém, foram atraídos para a luminosa estrutura submarina, e entre eles o que engoliu Matsyendra.

Sucedeu então que o pescador pôde ouvir, incógnito, as instruções secretas de Shiva. A certa altura, Uma caiu no sono. Quando Shiva perguntou: “Estás ouvindo?!”, um sonoro “Sim!” fez-se ouvir de dentro da barriga do peixe. Usando o terceiro olho, Shiva penetrou com o olhar o estômago da grande criatura marinha e lá viu Matsyendra. Ficou muito feliz com a descoberta e disse para sua esposa: “ Agora vejo quem é meu verdadeiro discípulo, vou passar a iniciação a ele.”

Matsyendra, agradecido, recebeu a iniciação e passou os doze anos seguintes – ainda na barriga do peixe – dedicando-se exclusivamente às praticas passadas a ele por Shiva. Ao cabo desse período, outro pescador pegou o peixe e ao abrí-lo se deparou com Matsyendra, então já um mestre realizado.

fonte: “A Tradição do Yoga” de Georg Feuerstein